O dia seguinte

Uma simples crônica sobre o dia seguinte de um pontepretano após a derrota contra o São Bernardo.
Por Israel Moreira
Publicado em 10/02/2022 - 22:27

Jurandir é baiano nasceu em 1967, na cidade de Feira de Santana, chegou à Campinas em 1975, ano do jubileu. Seu primeiro habitat foi a Vila Industrial, bairro operário e tradicional da cidade. Achava lindo de “como era lindo” o lago dos cisnes, hoje terminal central.


Hoje, o baiano mora em Hortolândia. Trabalha no centro de Campinas, na famosa treze de maio, é técnico de manutenção na rede “Magalu”. Sábado, às 07h, Jurandir embarca para Campinas para mais um dia de trabalho. Na linha metropolitana Hortolândia-Campinas, encontra-se com conhecidos, dois amigos (Zé Mario e Roberto), e Neide, vizinha de rua e parceira de “feira” nos domingos do JD Amanda II.


Ao descer no Terminal Metropolitano, dia comum como a maioria, se depara com Mariovaldo, amigo dos tempos de Vila Industrial:


- Fala Jurandir, como tá “meu véio”?

- Grande Mariovaldo, quanto tempo?


A prosa se entende até que Mariovaldo toca no assunto que ao mesmo tempo, enche o baiano de alegria e tristeza.


- E a Ponte, Jurandir? Ganhou quarta hein? O Lucca é bom!

- É, hoje joga em São Bernardo, sei não!


Ao se despedir de Mariovaldo, deseja lembranças à sua família e segue o caminho em direção a Estação Cultura. Em frente à própria estação, Jurandir observa a movimentação intensa no sabado de manhã de veículos em direção a Andrade Neves. E segue, a caminho da “treze”, pensando que o dia, não será fácil, nenhum diá é fácil na verdade, mas além do exaustivo dia de trabalho no centro de Campinas, é dia de Ponte Preta!


Na banca de jornal, Jurandir observa a capa do Correio Popular e se recorda da saudade que sente do “falecido” Diário do Povo. Ao chegar no local de trabalho, na Treze com a Glicério, dá bom dia aos colegas, acena ao supervisor, deixa suas coisas no armário e segue…


Aquele cafezinho não podia faltar. São 10h30, a loja com muitos clientes e na cabeça do Jurandir… Hoje tem Ponte Preta! Rogério, estoquista da loja há 10 anos, é ponte-pretano também e vai acompanhando as notícias pelo celular. Jurandir sente falta do jogo no rádio, como aprendeu com o pai, Waldemar, ainda no interior da Bahia e o que permaneceu ao chegar na cidade das andorinhas.


- E ae Rogério, quanto o jogo? São 12h50.

- Perdemos Jurandir, dois a zero para os caras.


Jurandir, não se abala – ou não se deixa abalar, com mais uma derrota da Macaca. 14h e fim do expediente no centro. O baiano sobe a treze de maio em direção à Estação Cultura, o movimento já não é mais o mesmo na Andrade Neves. Ao chegar no Terminal Metropolitano, observa uma roda de pessoas, torcedores no caso, dois estão com a camisa da Ponte:


- O Kleina tem que sair, não dá mais!

- E o Matheus Jesus? Nossa, o traseiro maior que do Rodrigão…


Jurandir, sente a dor e a emoção que o futebol provoca na vida das pessoas. Ao chegar no bairro do Amanda, encontra-se com Carvalho, dono do bar na rua principal. Palmeirense, ele não deixa passar o abatimento de Jurandir:


- Jurandir, e a Ponte hein? Que jogo horroroso!

- Ah, calma, essa semana tem o mundial, será que vai acabar a musiquinha?

- Esse ano, acaba Jurandir!

- Sei não, hein!


A noite cai na cidade de Hortolândia, Jurandir está na quarta garrafa de Antartica, o Mallboro no canto. Suas filhas Carla e Juliana, passam para dar boa noite. A patroa, Dona Iracema, que é flamenguista dos tempos do interior de Minas, onde nasceu, carrega seu chaveiro rubro-negro.


- Jurandir, esquece essa Ponte Preta, tu não aprende não é?

- Nem estou pensando no jogo, quero é ver a novela dos gêmeos.


O domingo amanhece, Jurandir como de costume vai à feira, encontra-se com Neide e manda uma abraço ao Gaspar, seu marido. Dionísio, dono da banca de frutas, ao ver o baiano com suas sacolas e proezando com Neide, não deixa escapar:


- Jurandir, e a Ponte hein? Vai brigar de novo lá embaixo.

- Sei não, será mais um ano de sofrimento, isso é certeza!

- Essa semana tem a Ferroviária e o São Paulo, será que dá? Pergunta Dionísio.

- A Ponte tem dessas né? Vai que ganha os dois jogos, sei não hein!


Ao chegar em casa, vai direto à cozinha para ajudar Iracema com o almoço de domingo, os genros e netos estarão por lá. Jurandir vai ao guarda-roupa e pega na gaveta a camisa desbotada, branca com a faixa preta de 1989, da Finta. A coloca, e diz a Iracema: - “O melhor de ser ponte-pretano é quando não tem jogo”.


Dia seguinte de torcedor, à família reunida, criançada correndo, tv ligada no esporte, o rádio no Milton Neves, e o genro, Alberto, corintiano daqueles chatos, ao ver Jurandir, não perdoa…


- Jurandir, e a Ponte? E o Kleina?

- Sei não hein! Pega minha caneca no balcão da cozinha, por favor!

- Qual caneca?

- A preta, da Ponte!

- A Antartica desce e Jurandir até se esquece que amanhã é segunda e deve ouvir mais umas trezentas vezes até o próximo domingo…

- Jurandir e a Ponte?

- Sei não hein!



Fotos retiradas do portal ACidadeON